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DEPOIS DE UMA VIAGEM PELO INFERNO

DEPOIS DE UMA VIAGEM PELO INFERNO

(Retirado do livro Nephilim, de minha autoria)


Assim, voltou a ser quase quem um dia havia sido, só que agora, com uma outra face! E gostou muito de já não ser uma legião de projeções vindas de outros, mas quase apenas ele mesmo.

Para o peregrino de tempos e eras, todavia, depois de tudo o que passara, um dia podia ser vivido como mil anos; e mil anos, podia caber inteiro num único dia, pois que entre os dias 28 e 29 de abril vira que coubera a emoção de um milênio.

E aprendeu que essa era a diferença entre o tempo chamado cronos e o momento chamado cairos. No primeiro, uma coisa sucede a outra, em seqüências simples, que os humanos chamam de História. No segundo, o que é, é; e isto é tudo e tudo é. E somente o Eterno sabe, de fato, o que é; e mais que isto: somente Ele sabe onde o que é, está acontecendo. Por isto, Abellardo não se importava mais com grandes eventos, pois, sabia que em muitos deles, podia-se ter certeza de muitas presenças, mas se faltasse a Presença, lá ele não queria estar. E afirmava que não desejava mais viver preso às limitações de cronos, podendo viajar nas ondas de cairos.

Também confessava que para ele o mais difícil de tudo seria ter que aprender a viver num mundo onde o que se diz que é, nem sempre precisa ser; o que não é, quase sempre se diz que precisa vir a existir. E onde quase nada é, pois quase tudo existe sem razão de ser. Por isso, ele dizia que ainda era, mas sentia que já não era.

E, por último, foi iluminado com a revelação de sua própria condição humana. E agradecia ao Absoluto todos os dias pela grandeza de sua pequenez e pelo poder de seu estado de fraqueza. Pois, se de nada tivesse valido aquela peregrinação, por certo, em seu ser, uma coisa se instalara para sempre. Abellardo, agora, sabia com toda certeza, que uma alma vale mais que o mundo inteiro, e que ter nascido dotado de uma, era o grande dom que recebera, e, por essa dádiva, ele punha-se de joelhos todos os dias, e, então, dizia:

Rei de todos, obrigado pelo teu hálito que me fez alma vivente.

Criador de tudo o que existe, dou-te graças por tua imagem que me fez gente.

Pai dos espíritos, eu te bendigo pelo eu que em mim formaste.

Tu, que do barro me fizeste, obrigado pelo corpo que me deste.

Redentor meu, eu te louvo porque em Ti posso andar até sem vestes.

Assim, Abellardo fazia todos os dias aquela prece, e, com ela, abria a porta de todas as manhãs e cerrava os portais de todas as noites. E quase sempre andava sozinho, mas sabia que multidões de anjos o escoltavam pela Terra.

E havia muitos irmãos também, que com uma cobertura de orações o haviam protegido durante a jornada nos labirintos do coração. E era também na rede desses vínculos fraternos que ele embalava a sua alma.


Caio
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