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JÁ ANDEI MUITO CANSADO, MAS NÃO MAIS...

JÁ ANDEI MUITO CANSADO, MAS NÃO MAIS...

Eu já andei muito cansado. Entre 1995 e 2000 meu coração havia perdido completamente o ânimo espiritual. Na realidade, tudo começou em 1991, quando por força de uma posição político religiosa que eu havia assumido, meu ministério perdeu a liberdade e a simplicidade profética que tinha, e eu me vi incumbido de cuidar da média evangélica ponderada, como presidente da Associação Evangélica Brasileira. Assim, lentamente, meu coração foi desvanecendo, e um cansaço horrível acometeu a minha alma, e com ela um enojamento do odor religioso, pois quanto mais profundamente eu mergulhava nos bastidores das instituições religiosas, mais minhas vísceras se revolviam de agonia, e meus sentidos todos abominavam os espíritos que naqueles ambientes eu discernia.

O cansaço foi lento em sua instalação. Primeiro se manifestou um sentimento de traição. Minha alma se sentia traída. Ela havia se apaixonado pela alegria da Palavra, e, agora, estava ocupada com a função de faxineira de um esgoto entupido das fezes das presunções humanas mais fétidas: as manifestas como perversidades indizíveis, só que aromatizadas com o “bom ar” das falsas piedades. Essas são terríveis peidades.

Senti minha alma ir pedrando suavemente, enquanto eu mesmo não sabia o que era, mas identificava algo como uma dor que se pedrava, bem no umbigo de meu ser.

O fato é que eu vinha de uma longa, ardente, gostosa e crescente alegria de Deus em mim, desde minha conversão, aos 18 anos e meio, até que chegou 1991. No entanto, para a minha alma, o abismo-simbólico daquela estação, se deu em 1992, no meio do ano, quando aconteceu o Celebrando Deus Com o Planeta Terra, um evento evangélico, no centro do Rio, e que reuniu no mínimo 500 mil pessoas, alguns falam em quase um milhão.

O evento vinha sendo preparado como resposta evangélica-evangelística à Eco 92, que traria para o Rio o debate mundial sobre o meio ambiente da Terra. Foram quase três anos de preparativos. E eu não apareci em nada, embora convidado muitas vezes por amigos queridos. No entanto, a gangue que cercava o evento era tão perversa, que minha alma não conseguia fazer parte do convívio, não por nada além do direito de não me violentar chamando de “meu amado irmão” alguns dos homens mais traíras que já vi na Terra. Sim, gente que mata, que seqüestra, que corrompe, que manda matar, que lava dinheiro para o tráfico, que vende a alma para o diabo, e alguns que até mesmo consultam pais e mães de santo quando a coisa está preta na “igreja”, que nada mais é se não um feudo de poder mafioso, e de muita malignidade. E quanto mais para cima se vai, mais nojento fica.

Depois de 91, no entanto, em razão dos apelos dos que diziam que eu como presidente da entidade que supostamente representava boa parte de dos evangélicos, não podia ficar tão ostensivamente longe daquilo, acabei concordando em aparecer por lá, aceitando a tantos convites antes propositalmente negligenciados ou “esquecidos”. Até que dois meses antes do evento eu fui a uma das reuniões preparatórias, e acabei sendo convidado para pregar, junto outros dois.

No dia do evento eu fui pra lá como quem ia para o matadouro. Encontrei um amigo de verdade, e fui ao lado dele. Subi à plataforma e senti terríveis espíritos malignos presentes ali. Havia ódio, ressentimento, desconfiança, inveja babante, hostilidades que precisavam de “deixa disso”, e toda sorte de uso ideológico, político, religioso, com direito a ver o evento inteiro virar um ato de desagravo contra a prisão de Edir Macedo, que estava no palanque, cheio de algo estranho, pois agonizava, vazava hostilidade, ao mesmo tempo em que precisava estar ali.

Preguei. E como nunca consegui pregar sem que a Palavra me carregue de algum modo, fui, e Deus abençoou a muitos. Eu, porém, voltei para casa como quem tinha aceitado ajoelhar-se perante aquele que dizia: “Tudo isto ti darei, se prostrado me adorares”. É estranho para quem vê de fora. Eu estava pregando, e com unção, mas, no mesmo momento, algo, em mim, começava a se deslocar de mim mesmo. E eu senti isto como “momento”.

Daí para frente, muita coisa boa, e boa para milhares e até milhões de pessoas, de fato aconteceu. Eu, porém, estava sem amor, e me perguntava: “De que isto me aproveitará?”

Quando esta questão se instalou em mim como a pergunta de cada dia, deflagrou-se um enorme cansaço, e, eu que antes amava fazer tudo o que fazia, agora carregava o peso de um fardo que me esmagava. A sensação que me dava é que eu estava ficando intoxicado de cobras, lagartos, escorpiões, e muitas e muitas baratas e sapos.

Para o lado de fora muitas e muitas atividades e realizações públicas. Mas dentro, o coração gemia de agonia e cansaço.

Daí em diante eu só sentia alegria no momento de transe da Palavra, quando pregá-la me trazia a alma para a realidade da verdade, para então, depois disso, já na saída do lugar, ser assolado pelas baforadas do inferno, e que vinham das bocas de “amados irmãos” que haviam glorificado a Deus comigo, no palco, mas que no caminho da porta dos fundos me despejavam nos ouvidos todas as sujidades disfarçadas de interesse ministerial, e que expressavam o ódio e as disputas territoriais deles contra outros líderes religiosos. Então, eu dizia: “Não tem jeito!”

A década de 90 foi uma desgraça para a igreja evangélica no Brasil. Antes havia muita bobagem e muito legalismo, mas as pessoas eram, no mínimo, escrupulosas em relação ao básico. Mas de 1990 em diante, tudo o que havia de ruim apareceu. Foi um horror de ver. Surgiram todos os picaretas que hoje estão aí, e um monte de candidatos a se tornarem como eles, de tal modo, que houve uma explosão de ocupação territorial e de busca de poder, e que aconteceu de modo tão súbito, que tornou-se visível aos olhos do mundo que algo estava acontecendo na igreja no Brasil. Isto me era perceptível porque vinham repórteres, jornais, revistas e televisões do mundo todo me entrevistar sobre que “fenômeno” de crescimento era aquele. Digo de todo o coração que tentava ver o melhor que pudesse nos estar acontecendo—era meu dever como presidente de uma entidade de representação de “classe”—, mas o que mais me vinha era um grito de horror.

Ora, a história desse cansaço poderia virar um longo livro de confissões. No entanto, disse apenas alguns dos sentimentos que me oprimiam e me exauriam, drenando-me e cansando minha alma, apenas porque, ironicamente, e depois de uma sucessão de coisas que as pessoas vêem como “queda”, “tragédia” e “perda”, meu coração está jovial de alegria espiritual, e podendo olhar para esse tempo como algo distante, tão distante dele eu estou.

Esta é a verdade. Meu coração está alegre, contente e feliz no Senhor. Sinto-me livre como nunca antes, e experimento a alegria da salvação como contentamento em Jesus, como era no princípio, só que agora com leveza incomparável.

Estou dizendo isto porque hoje recebi uma carta de uma moça que tem apenas três anos de fé, e se diz cansada. Pareceu-me uma jovem ardente no seu desejo de servir a Deus, mas está ficando de cara, ainda que nas bordas das bordas da periferia dessa nojeira acerca da qual falei, e já se sente cansada...

É para gente que está se sentindo como ela—“os jovens se cansam e se fatigam, e os moços de exaustos, caem”—que estou escrevendo isto. Estou escrevendo para gente que ama a Deus, mas que não consegue mais relacionar nada na igreja a Ele. Se esse é o seu caso, leia-me com carinho.

Se você achar que “isto aí” tem alguma coisa a ver com os interesses de Deus na Terra, ou você vai descrer de Deus por absoluta falta de solidariedade com a causa Dele no mundo, ou você cairá no mais profundo cansaço, pois é impossível ter uma alma humana e não intuir, do fundo do coração, o fato simples que Deus não tem nada a ver com “isto”.

Portanto, é urgente que seu olhar se volte para o lugar verdadeiro do reino de Deus, que é em nós. E também é somente o olhar existencial que celebra a verdade de Deus se realizando no coração e na existência de muitos homens e mulheres livres na Graça, é que faz a gente achar a Igreja. Ou seja: somente o olhar existencial é que realiza tanto a alegria do Reino em nós, como também, estranhamente, é ele, esse olhar, que nos faz identificar a Igreja fora de nós, visto que o olhar que enxerga o reino em si mesmo, também o discerne no olhar dos irmãos.

Assim, quem ficar olhando para esse negócio que “está aí”, se frustrará muito, perderá a alegria, e cansara do bem. Mas quem olhar para o reino no lugar onde ele se realiza—“em vós”—, esse achará indizível alegria, e encontrará muitos irmãos.

Talvez seja por isto que apesar de olhar em volta e ver tanta coisa feia sendo dita e feita em nome de Jesus, meu coração não esteja cansado. Ao contrário, eu estou tomado por intensa alegria no espírito, e de uma certeza maior do que eu, e que me diz que Deus está fazendo algo nos corações de milhares e milhares, enquanto também está adubando a terra em milhões, a fim de que no tempo próprio Ele derrame algo verdadeiro, e que as pessoas discernirão como verdade do Espírito.

Esta é minha confiança no Senhor, e é nessa confiança que sinto que se renovam as minhas forças, e sei que Nele vou subir com asas como uma águia; correrei, e não cansarei; caminharei, e não me fatigarei.

Sinto a alegria de Deus em mim!


Caio
30/agosto/2004
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