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Reflections

O ÓDIO E O PECADO DE SER

O ÓDIO E O PECADO DE SER

Ódio

O ÓDIO E O PECADO DE SER

 

Odiar é muito difícil.

Pessoalmente, acho que é infinitamente mais fácil cometer uma violência, sair no tapa em razão de um destempero, ir à guerra e matar, do que odiar.

A violência é uma loucura. O ódio é puro estado de loucura! Odiar demanda uma determinada “instalação” na alma que só pode acontecer como semente do mal. O ódio como estado do ser significa que o potencial do amor foi transmudado em seu oposto: o antagonismo total da possibilidade da Graça.

Onde há ódio não há Graça e onde há Graça não há ódio!

Até o ofensor que peca contra o irmão setenta vezes sete é um filho pródigo da Graça, pois, para que alguém se arrependa tantas vezes e peça perdão, tem que pelo menos ter acessos súbitos de percepção do outro ofendido — o que só é possível como Graça! Aquele que tem o dom desse perdão tão freqüente e que perdoa apesar de ser alvejado tão aleatoriamente, é, sem dúvida, filho da mais profunda Graça!

O ódio, todavia, não conhece nem o perdão nem o arrependimento — mesmo que seja como surto. Saul, o perseguidor de Davi, tinha surtos de culpa, não de arrependimento. O publicano que subia ao templo diariamente para pedir perdão a Deus pelos seus pecados, tinha, no mínimo, surtos de autoconsciência, algo longe de ser almejado como estado para o ser — mas que mesmo assim ainda coloca o publicano num estado muito superior de alma em relação a Saul. O publicano tinha surtos de arrependimento. Saul apenas tinha surtos de culpa, e sentia raiva de se sentir culpado, daí odiar cada vez mais intensamente. Afinal, Davi se tornava o culpado de Saul sentir-se culpado de odiá-lo.

Odiar é difícil porque o ódio precisa se instalar como uma espécie de Direito Adquirido contra o ser do outro. E a experiência desse estado implica em algo muito mais profundo do que cometer um pecado. Implica no verdadeiro estado de pecado.

Só o ódio instala o estado de pecado no ser, assim como é no crescimento do amor que a Graça se enraíza como estado cada vez mais profundo do ser. Daí o apóstolo João dizer que aquele que odeia não conhecer a Deus e jamais tê-Lo visto, pois Deus é amor.

Aquele que odeia nunca conheceu o amor. A ira é um acesso. O prolongamento de seu estado dá lugar ao Diabo na medida em que afasta o ser de sua única proteção: o amor. Sem amor todos os flancos estão abertos para o que é mal. Mas com ódio, o mal já tomou posição soberana na alma.

Odiar é difícil também porque torna aquele que se faz capaz desse estado o ser mais cativo de todos. Ninguém é livre para odiar. Quem odeia se torna escravo do ódio. Ora, o ódio tiraniza o ser contra si mesmo, em razão de que o entrega à sua obsessão destrutiva pelo próximo.

Odiar é difícil sobretudo porque aquele que odeia des-existe. Desiste de ser e existe para o não ser, pois existe para não viver, visto que sem amor sobra-nos apenas des-existência. Ora, nesse estado há apenas a morte como cenário para a vida. E a morte nunca embelezou a vida e nem fez ninguém viver, e jamais o fará.

Aquele que odeia a seu irmão traz em si a semente maldita. Assim como aquele que ama a seu irmão carrega no ser a divina semente.

Eu creio no poder devastador do ódio. Há quem o busque e o pratique como Direito Ad-querido. Mas também sei que sua experiência instala o “software” do inferno no “HD” do ser como aplicativo primordial. A máquina psíquica passa a não “rodar” sem esse tal programa. Roda até congelar a existência na des-existência.

Então vem a morte, não daquele a quem se pretende fazer o mal, mas daquele que o intenta. A prolongada intenção de fazer o mal pelo mal pode criar o pior de todos os estados na alma: o da soberania do ódio!

Devo, entretanto, dizer que odiar é difícil apenas para aquele que vê o ódio como o pecado contra o ser. Quem se ama não consegue odiar, assim como também não consegue não amar de alguma forma o seu irmão — mesmo que seja como expressão da misericórdia que chega como um relâmpago iluminando a noite da vingança.

O amor é o único Dogma Existencial estabelecido por Jesus. Daí, na mesma medida, o ódio ser a maior blasfêmia.

O amor cobre multidão de pecados. O ódio tenta esconder-se des-cobrindo pecados existentes e até fabricados contra o próximo. Por isso aquele que ama vive com uma esperança redentora e aquele que odeia existe movido pelas pulsões da destruição.

O ódio paralisa tudo: interrompe orações e nega a Deus, pois Deus é amor. E quem pode viver sem amor? Só conheci até hoje "existências" nesse estado, mas nunca vi vida em tais existências.

Odiar é difícil porque remete a vida para a morte. E quem consegue viver se já está morto?

Perdão aos que pensam diferente, mas para mim simplesmente não dá.

Nele,

 

Caio

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