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UM ENCONTRO EXTRAORDINÁRIO DE PRIMAZES

UM ENCONTRO EXTRAORDINÁRIO DE PRIMAZES

— Uma Avaliação do Documento Final —

Dom Robinson Cavalcanti, ose

Por uma iniciativa pessoal do Arcebispo de Cantuária, Rowan Williams, teve lugar no Palácio de Lambeth, em Londres, um Encontro Extraordinário dos Primazes da Comunhão Anglicana, nos dias 15 e 16 próximo passados, em reuniões privadas. 37 dos 38 Primazes se fizeram presentes (a exceção de Ignácio Soliba, das Filipinas). Um documento final foi veiculado, em típico estilo diplomático. Do mesmo podemos destacar alguns pontos:

01. O Claro porquê da Razão do Encontro

O Arcebispo de Cantuária convocou a reunião “em vista dos recentes acontecimentos na Diocese de New Westminster, no Canadá, e na Igreja Episcopal dos Estados Unidos”.

Por que os Primazes afirmaram que sentiam “uma profunda dor” e compartilhavam “incertezas”? A resposta estava clara no texto: As “decisões controversas tomadas pela Diocese de New Westminster, em autorizar ritos públicos de bênçãos para casais do mesmo sexo, e pela 74ª Convenção Geral da Igreja Episcopal dos Estados Unidos, ao confirmar a eleição de um sacerdote homossexual comprometido para ser bispo”.

Esses fatos “novos”, “diferentes” das Igrejas do Canadá e dos Estados Unidos foram a única razão para se convocar um Encontro Extraordinário dos Primazes, que, por esses fatos, não somente sentiam “dor” e “incerteza”, como tiveram a seguinte reação: “como um corpo, nós lamentamos profundamente as ações da Diocese de New Westminster e da Igreja Episcopal dos Estados Unidos”.

A reação, no conjunto, pois, foi um lamento profundo.

02. A Constatação dos fatos (ECUSA + Canadá) como Negativos e Fontes de uma Grave Crise

Os Primazes foram peremptórios: “Essas ações ameaçam a unidade da própria Comunhão, bem como as nossas relações com outras portas do Corpo de Cristo, nossa missão e testemunho e nossas relações com outras fés”. Ou seja, a causa do ecumenismo, do diálogo inter-religioso e o testemunho e ação missionária da Comunhão Anglicana estão ameaçados.

A questão central não era, por conseguinte, a formalidade constitucional da eleição de Gene Robinson, mas “as graves dificuldades que essa eleição provocou e continuará a provocar”. Com um estilo de vida que tornaria canonicamente impossível a sua eleição como bispo em outras Províncias e Dioceses, os Primazes foram taxativos: “Se a sua sagração acontecer, nós reconhecemos que alcançamos um ponto crítico na vida da Comunhão Anglicana, e teremos que concluir que o futuro da Comunhão em si será colocado em risco”. (A Diocese de New Hampshire, em 24 horas, desafiou os Primazes, afirmando que irá em frente com a sagração).

E o que é que os Primazes acham que vai acontecer, em decorrência?

“Nesse caso, o ministério desse único bispo não será reconhecido por parte do mundo anglicano, e muitas Províncias poderão não se considerar em comunhão com a Igreja Episcopal dos Estados Unidos. Isso levará a nossa Comunhão ao seu pior nível, e abrirá caminho para novas divisões nessa e em outras questões, na medida em que Províncias tenham de decidir, como conseqüência, se elas vão permanecer em comunhão com as Províncias que decidirem não romper com a Igreja Episcopal dos Estados Unidos. Isso se aplica, também, à situação pertinente à Diocese de New Westminster”.

Ou seja, se prevê que algumas Províncias e Dioceses vão romper com a ECUSA (e/ou a Igreja do Canadá) e outras não, e como as que romperem e as que não romperem vão se relacionar entre si.

O texto é igualmente forte, quando afirma: “Para isso, pois, precisamos tornar claro que as recentes ações em New Westminster e na Igreja Episcopal dos Estados Unidos não expressam a compreensão da nossa Comunhão como um todo, e essas decisões trazem perigo à nossa fraternidade sacramental, uns com os outros”.

03. A Reafirmação dos Princípios da Resolução 1.10, sobre Sexualidade Humana, da Conferência de Lambeth de 1998

Os Primazes foram claros: “Também reafirmamos que as Resoluções feitas pelos bispos da Comunhão Anglicana, reunidos na Conferência de Lambeth de 1998 sobre as questões da Sexualidade Humana, têm força moral e demandam o respeito da comunhão como sendo a posição oficial sobre a questão”.

Sublinhamos as expressões força natural, respeito e posição oficial. Mais claro, impossível!

Os Primazes reconhecem que as Conferências de Lambeth de 1988 e 1998 tinham aprovado demandar do Encontro dos Primazes uma “responsabilidade aprofundada” para tratar de crises, e, arremataram com um pensamento dos mais importantes: “...nós reafirmamos nosso entendimento comum da centralidade das Escrituras para determinar a base de nossa fé”. Em consentâneo com os XXXIX Artigos de Religião, o Quadrilátero de Lambeth e o Ordinal.

04. Unidade e Diversidade: Qual a natureza da Comunhão?

Os Primazes reconhecem ser este um “momento conturbado”, e que pretendem lutar pela manutenção da unidade da Comunhão Anglicana. Esse desejo tem como base o orgulho da “herança anglicana da fé e ordem”. Há uma herança, sim, mas haverá um futuro sem essa fé e essa ordem?

O documento chama a atenção para o fato de que a autonomia jurídica de cada Província tem a ver com a mútua interdependência, que deve evitar a autoridade unilateral, que tente passar “orientação alternativa, como se isso fosse a orientação de toda a Comunhão Anglicana”.

O reconhecimento da “diversidade legítima da interpretação que surge na Igreja” nos lembra que “cada Província necessita estar ciente dos possíveis efeitos de sua interpretação da Escritura na vida de outras Províncias da Comunhão”. Ou seja, ninguém pode sair por aí com suas interpretações particulares culturais sem levar em conta as outras Igrejas e nações. Aí não seria “comunhão”, mas “federação” ou “confederação”, como, de fato, parece ser a intenção da liderança da ECUSA e do Canadá.

Há consciência de que há que se refletir sobre “realinhamentos potenciais”. “Está claro que recentes controvérsias abriram debates na vida da nossa Comunhão”, que não vão ser resolvidas já, ou, se é que vão ser resolvidas.

Há a preocupação com a autonomia diocesana e provincial no sistema clássico territorial, mas, diante da atual situação e do que pode acontecer, os Primazes chegaram à seguinte orientação: “...nós incentivamos que as Províncias se preocupem em fazer uma supervisão episcopal adequada a essas minorias dissidentes, dentro de suas próprias áreas de cuidado pastoral, consultando o Arcebispo de Cantuária, em nome dos Primazes”.

O futuro parece nos apontar para uma nova realidade: Províncias, Dioceses e Paróquias poderão estar divididas por linhas teológicas, e não-territoriais, o que exigirá novos alinhamentos e novas formas de supervisão episcopal.

05. Outros itens

a) Seguir estudando as questões da Sexualidade Humana;

b) Estabelecer uma Comissão para estudar, em um ano, as atribuições do Arcebispo de Cantuária na Comunhão;

c) Encorajar a “Rede de Consultoria Legal” do ACC para concluir o seu trabalho sobre a semelhança e natureza dos diversos Cânones Provinciais.

06. Conclusão

O documento foi positivo, dentro das limitações de uma reunião de dois dias, de um organismo recente e em processo de consolidação da atribuição de funções. A questão EUA – Canadá foi denunciada, a posição moral de Lambeth reafirmada, e assumida a possibilidade de um desdobramento em crise, que irá resultar em um redesenho da Comunhão Anglicana.

Reuniões setoriais foram realizadas antes e depois do Encontro, atestando a divisão dos Primazes em um bloco conservador (cerca de 20%), um bloco ortodoxo “soft” e uma minoria liberal (Estados Unidos, Canadá, Gales, Irlanda, Austrália, África do Sul etc.).

Embora clérigos e leigos estejam, ocasionalmente, deixando as Igrejas dos Estados Unidos e Canadá, para outras denominações, ou para entes anglicanos cismáticos. O cenário provável é de um ente híbrido: uma comunhão, materialmente falando, de maioria histórica, identificada e relacionada entre si (90% dos países), e uma “comunhão”, apenas no sentido formal e institucional dos liberais com Cantuária e débeis (ou nenhum) vínculos com a maioria histórica. Enquanto isso, dentro dessas minoritárias Províncias de hegemonia liberal, as minorias históricas (Dioceses e Paróquias) formarão entes especiais ou redes, com supervisão especial de bispos de fora, ou, em casos mais extremos se vincularão a Dioceses ou Províncias em outros países.

Será um longo, incerto e doloroso processo. Temos apenas uma certeza: a Comunhão Anglicana jamais será a mesma.

A Diocese Anglicana do Recife ora pela unidade na verdade, acompanha com interesse os desdobramentos e estará sempre em comunhão com Cantuária e com a maioria histórica, seja nos moldes tradicionais, seja em novas configurações institucionais.

W Dom Robinson Cavalcanti – Bispo Diocesano –
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