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MORRE IRV CHAMBERS – carta de Leighton Ford

MORRE IRV CHAMBERS – carta de Leighton Ford

 

 

 

 

 

 

 

MORRE IRV CHAMBERS – Carta de Leighton Ford

 

 

 

Meu amigo Leighton Ford enviou a um grupo de amigos a notícia do falecimento de Irv, companheiro de ministério e amigo do Leighton por mais de 50 anos.

 

Eu mesmo posso dizer que tratava-se de um homem bom, simples, amigo, bem-humorado, fiel e solidário, pois eu mesmo fui ajudado de modo prático pelo Irv em várias ocasiões.

 

Na minha primeira residência nos Estados Unidos, na Califórnia, patrocinada pelos amigos Manfred Grellert, Sam Kamaleson e Leighton Ford, contei também com a ajuda do Irv, telefonando, sugerindo, visitando, fazendo tudo para que eu me sentisse bem; e isto sem falar em todas as viagens internacionais que fiz com Leighton, pregando em vários lugares, nas quais o Irv sempre esteve presente; e, presente, sempre foi um refrigério em tudo.

 

Transcrevo a carta do Leighton por duas razões:

 

1.         Ela retrata algo raro hoje em dia: dois amigos fiéis um ao outro por mais de meio século.

 

2.         Ela honra um homem cujas marcas estão se tornando cada vez mais raras entre os humanos deste planeta.

 

Assim, leia a carta do Leighton.

 

 

Com carinhos e gratidão,

 

 

Caio

 

10 de setembro de 2008

Lago Norte

Brasília

DF

 

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Meu amigo de longa data e companheiro de ministério, Irv, morreu na última quinta-feira. Sua saúde vinha se deteriorando havia vários anos, especialmente nos meses de verão.

 

Ele morreu serenamente, numa clínica de tratamento de pacientes terminais, pouco antes que eu pudesse visitá-lo para, juntamente com sua família, termos um momento de cânticos e orações ao lado de seu leito.

 

Nós iremos —eu irei— sentir imensas saudades de Irv. Por mais de meio século estivemos juntos no ministério. Por mais tempo que isso ele foi como um irmão para mim.

 

Por favor, lembrem-se de sua amada esposa Marilyn, suas adoradas filhas Sheri e Susan, seus genros Hugh e Jason, e seus netos Andrew e Daniel, que foram o seu deleite em seus últimos anos de vida.

 

Ontem realizamos um culto de gratidão pela vida de Irv. Pediram-me que eu trouxesse a mensagem — transcrita abaixo.

 

Sei que vocês que conheceram Irv concordam que ele era, acima de tudo, um servo do seu Senhor-Servo.

 

Com tristeza, mas com enorme gratidão pelos anos que passamos juntos,

 

Leighton

 

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PARA IRV

Homenagem in memoriam

8 de setembro de 2008

 

 

Ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé; e muitas pessoas foram acrescentadas ao Senhor. (Atos 11.24, NVI)

 

Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão.

(1 Coríntios 15.58)

 

 

 

Hoje preciso começar dizendo que gostaria de pedir perdão a Irv, não por algo que eu tenha feito, mas pelo que estou prestes a fazer.

 

Isso porque vou falar de Irv, e ele nunca queria falar de si mesmo ou ser o centro das atenções. Ele iria querer que hoje eu falasse de Cristo, seu Senhor. E assim será. Pois não temos como pensar em Irv sem pensar também no Deus a quem ele serviu.

 

E estamos aqui para lembrarmos, com honra, o modo como pudemos ver Cristo em Irv Chambers.

 

Foi dito dos antigos patriarcas —como Abraão e Jó— que morreram “fartos de dias”. Irv nos deixou apenas três meses antes de fazer 80 anos.

 

Hoje estamos reunidos para prestar homenagem a ele, juntamente com sua amada esposa Marilyn, com Sheri e Susan, suas amadas filhas, com seus queridos genros Hugh e Jason, com seus netos Andrew e Daniel, que foram a alegria de sua vida, e com seu fiel irmão David.

 

Irv foi meu companheiro de ministério e meu amigo durante cinqüenta e dois anos. Lembro-me vividamente daquela noite de neve em que nos conhecemos em Ontário. Jeanie e eu estávamos sentados, jantando em nosso pequeno hotel à beira do lago, em Orillia, quando Irv entrou, sacudiu os flocos de neve de seu sobretudo, pôs no chão o estojo de seu trompete e veio nos cumprimentar.

 

Nunca tínhamos nos visto. Um amigo em comum o havia recomendado a mim como dirigente de música para uma cruzada, e Irv aceitara mesmo sem nos conhecer. Por duas semanas dirigimos cultos em uma antiga e tradicional Igreja Presbiteriana. Irv tocava suavemente seu trompete, atraía os jovens com seu encanto e humor, e formou um grande coral que incluía muitas jovens solteiras que, tenho certeza, sonhavam com aquele belo e virtuoso solteirão que chegara à cidadezinha. Nossos cultos lotados eram dirigidos por ele com desenvoltura e graça.

 

Nenhum de nós dois poderia imaginar que nossos destinos viriam a nos unir durante meio século de trabalho ministerial. Contudo, uma “química” do Espírito fez nossos dons se complementarem e nossos corações se unirem, o que dura até hoje.

 

Quando penso em Irv, lembro-me de Paulo e Barnabé formando aquela primeira equipe de evangelização. Não que eu seja como Paulo, mas certamente Irv era como Barnabé, cujo apelido era “encorajador”. Em Atos 11, vemos que Barnabé foi enviado a Antioquia para verificar a autenticidade das conversões ali. Ao chegar, vendo as evidências da Graça de Deus, “ficou alegre e os animou a permanecerem fiéis ao Senhor, de todo o coração. Ele era um homem bom, cheio do Espírito Santo e de fé; e muitas pessoas foram acrescentadas ao Senhor”. (Atos 11.23-24, NVI)

 

Como Barnabé, Irv era “um homem bom”, que, além de “farto de dias”, era “cheio do Espírito Santo e de fé”. Irv inclusive superou Barnabé em um ponto: Paulo e Barnabé, a certa altura, separaram-se devido a uma discordância. Eu, até onde me lembro, jamais ouvi nenhuma palavra dura de Irv. Jeanie e eu freqüentemente comentamos que nunca ouvimos ninguém ter algo negativo a nos dizer sobre ele. E entre nós nunca houve qualquer divisão.

 

E isso, em grande parte, foi um pecado porque Irv, com sua vida e seu amor, refletia lindamente a imagem de Cristo, seu Senhor-Servo.

 

Existe uma antiga palavra grega, arête, que indica a excelência de uma pessoa ou coisa. Algo é arête quando corresponde perfeitamente ao propósito para o qual foi criado. Uma espada de gume bem afiado é arête. Um dardo que segue em linha reta quando arremessado é arête. O maior desejo de Irv era servir aos outros, e para isso ele era arête — perfeitamente moldado — para ser, como seu Senhor, alguém que “não veio para ser servido, mas para servir”.

 

Um dos jovens a quem Irv influenciou escreveu um livro sobre líderes servos, intitulando-o "The Song of the Second Fiddle" (A música do segundo violino). [1] O livro dizia que a grande liderança não deve ser vista apenas nos líderes famosos e em evidência, mas naqueles que lhes dão apoio.

 

Irv não tocava violino. Era trompetista, e tocava seu trompete com uma doçura da qual jamais me esquecerei, assim como tocava a melodia de sua vida com o mesmo tipo de doçura e graça em tudo.

 

Ele ministrava com humildade e humor. Era um homem multitalentoso, mas nunca se achou, primordialmente, um estudioso ou um pregador. Ele tinha algumas mensagens que costumava repetir. Certo domingo, no Canadá, Irv estava saindo para pregar numa igreja quando alguém de nossa equipe lhe perguntou sobre o que ele ia pregar.

 

Por Que Jesus Escolheu Judas” — respondeu ele.

 

Quando seu companheiro de equipe achou meio estranho, dizendo que aquele era um sermão “interessante” para se pregar no Dia das Mães, Irv ficou perplexo por um instante.

 

“Dia das Mães!” — exclamou. “Dia Das Mães!...” Então, rápido como um raio, disparou: “Ora, até Judas tinha mãe!”

 

Irv era uma companhia divertida. Em minha penúltima visita a ele, em meio a reminiscências de nosso ministério em conjunto, partilhado em dezenas de cidades, em vários países e em todos os continentes, eu disse:

 

“...e como nos divertimos, não foi?”

 

Ele sussurrou algo. Não entendi; cheguei mais perto, me inclinei e perguntei:

 

“Como?”

 

“Lethbridge” — ele disse, de modo quase inaudível. “Lethbridge” — uma cidade nas pradarias canadenses.

 

“O que tem Lethbridge?" — perguntei.

 

“Futebol.” — ouvi-o responder.

 

“Onde foi que jogamos futebol lá?”

 

“No hall do hotel.”

 

“E o que usamos como bola?”

 

“Um rolo de papel higiênico.” — ele murmurou. E tenho certeza de ter visto um leve sorriso em seus lábios.

 

Quando Irv era solteiro, gostava das moças; e elas, dele. Uma vez ele chegou tarde da noite e vimos uma marca de batom na gola de sua capa de chuva marrom clara. Como ele era daltônico, não a tinha notado. Por conta disso, ficamos “pegando no pé” dele durante muito tempo, embora soubéssemos que ele sempre respeitava os limites saudáveis em um namoro.

 

Então, quando conheceu a moça — sua amada Marilyn —, nunca mais teve olhos e coração para mais ninguém. Do dia em que a pediu em casamento (ao típico estilo “Irviano”, na hora em que as ofertas estavam sendo recolhidas numa cruzada em Calgary) ao dia em que se casaram, com uma nevasca que acumulava 1,5 metro de neve ao redor da igreja em Minneapolis; chegando, depois, as duas filhas Sheri e Susan — a quem ele amava de todo o coração, como amava seus genros e netos —, eles e o Senhor Deus foram sempre o centro de sua vida.

 

Sempre que nos reuníamos para orar e eu lhe perguntava se tinha pedidos pessoais, seus pedidos nunca eram em favor dele próprio, mas sempre de outros; em especial, sua família. Às vezes eu ficava, digamos, só um pouquinho exasperado e lhe perguntava: “Mas Irv, e quanto a você?” Ele, então, tinha que pensar muito até se lembrar de algo para pedir em favor de si mesmo.

 

Mesmo quando seu corpo começou a fraquejar, seu coração de servo permaneceu forte. Há vários anos, certa manhã ele caiu de uma rede no quintal e não conseguiu se levantar. Marilyn tinha saído. Apesar de estar com um celular, ele não ligou para ela; simplesmente esperou-a voltar. Enquanto estava caído ali, o celular tocou, e ele teve uma longa conversa com um jovem pastor que havia telefonado em busca de aconselhamento e encorajamento. Ele nunca ficou sabendo que Irv estava caído no chão durante toda a conversa.

 

Houve umas poucas vezes em que eu, por minha vez, pude ajudar Irv de formas práticas. Certa vez estávamos em Calcutá, Índia, a caminho do aeroporto para pegarmos um vôo para Bangkok e de lá para Tóquio. Irv estava gravemente doente por causa de uma intoxicação alimentar. Tive de carregar sua bagagem, apoiá-lo em mim para ele andar pelo aeroporto, fazer seu check in, e, chegando a Bangkok, ajudá-lo a se deitar no chão e procurar um médico que pudesse atendê-lo rapidamente. Depois cuidei dele até chegarmos a Tóquio. Para mim foi um raro privilégio poder ministrar esses cuidados a alguém que durante a vida inteira tinha me servido nos altos e baixos de minha vida, assim como sempre fez com tantos outros.

 

Quando aconselho líderes jovens a “buscar o reino de Deus e não a construção de impérios”, normalmente é Irv que tenho em mente.

 

O cuidado de Irv para com os outros se manifestou claramente na semana passada, no hospital. Pouco antes de ser levado para a clínica de tratamento de pacientes terminais, pude fazer-lhe uma breve visita. Ele estava de olhos abertos, e eu percebi que ele conseguiria ouvir e responder algumas coisas. Falei sobre os anos que compartilhamos, as multidões a quem pregamos, as muitas pessoas que entregaram a vida a Cristo...

 

“Conte algumas histórias.” — ele sussurrou. “Pessoais.”

 

“De gente cuja vida foi transformada?” — perguntei.

 

Ele acenou positivamente com a cabeça.

 

Pensei rápido e contei algumas histórias sobre vidas transformadas: estudantes arruaceiros do ensino médio no nordeste da Filadélfia; roqueiros punks em Southampton, Inglaterra; um ateu de Vancouver; o presidente da união dos estudantes de Wellington, Nova Zelândia...

 

Ele ouvia. Absorvia. Era sobre pessoas, não sobre multidões, que ele queria ouvir.

 

Eu disse: “Um dia nós e eles vamos cantar todos juntos, no céu, ‘Saudai o nome de Jesus! Arcanjos, adorai!’”

 

[Ouça em português: http://br.youtube.com/watch?v=fNBIIBYGctw ]

[Ouça em inglês: http://br.youtube.com/watch?v=itUNSwS4q9E&feature=related ]

 

 

Ele fez uma pausa. Então sussurrou: “É preciso fazer as reservas.”

 

“Fazer reservas? Para todos?” — perguntei.

 

“Cada um faz a sua própria.” — ele respondeu.

 

“Você fez a sua muito tempo atrás, não é?”

 

“Certamente.” Sua resposta foi sussurrada. Porém, convicta!

 

E eu estou convicto de que hoje ele iria querer que eu dissesse isto: Não deixe de fazer sua reserva, entregando sua vida ao Senhor que ele conheceu, amou e serviu.

 

Sobre Barnabé, lemos que ele “os animou a permanecerem fiéis ao Senhor, de todo o coração.” (Atos 11:23). Foi o que Irv fez também, desejando que permaneçamos fiéis — vocês; a família dele; os amigos dele; os vizinhos dele.

 

Quando Paulo conclui seu maravilhoso capítulo sobre a ressurreição (1 Coríntios 15), falando do novo corpo que os que crêem receberão e do modo como seremos transformados e postos na imortalidade, como ele termina? Ele não diz: “Porque Cristo morreu por nós e ressuscitou, podemos ir para o céu”. Isso é verdade, mas, em vez disso, Paulo conclui dizendo:

 

Portanto, meus amados irmãos, sede firmes, inabaláveis e sempre abundantes na obra do Senhor, sabendo que, no Senhor, o vosso trabalho não é vão.” (1 Coríntios 15:58)

 

Irv não apenas creu nisso; ele viveu isso.

 

Numa de minhas últimas visitas, quando ele parecia estar totalmente “ausente”, Marilyn e eu o ouvimos cantando bem baixinho. Cheguei mais perto dele, me inclinei e o ouvi cantar repetidas vezes:

 

“Quero seguir cantando... quero seguir cantando...”

 

Sim, Irv. Você vai seguir cantando.

 

A última coisa que ele me disse foi: “Vamos caminhar no jardim.”

 

De que jardim ele falava? Não tenho muita certeza.

 

Contudo, penso que o que ele tinha em mente era aquele maravilhoso jardim de Deus, na Nova Jerusalém, quando a terra e o céu forem um, e todas as coisas forem restauradas à sua perfeição eterna. Tudo e todos serão arête — cumprindo, assim, o grande propósito de Deus.

 

Portanto, quero dizer: nós iremos, amado esposo, pai, avô irmão, amigo, servo do Senhor, meu camarada...

 

Nós iremos caminhar juntos naquele jardim.

 

 

Leighton Ford

 

 

 

 



[1] No título em inglês há uma clara conotação de serviço abnegado: a expressão to play second fiddle significa “ocupar uma posição menos importante, secundária”. (Nota do Tradutor)

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